Nesse artigo, vamos conversar sobre o emprego das mulheres em atividades no subsolo. Para isso, vamos percorrer a história da legislação brasileira, destacando os percalços e avanços normativos quando o assunto é o trabalho feminino em áreas subterrâneas.
A vedação por detrás do emprego de mão de obra feminina em trabalhos subterrâneos tem origem na década de 1930 com a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nº 45, a qual foi ratificada pelo Presidente Getúlio Vargas e tinha como temática “Emprego Das Mulheres Nos Trabalhos Subterrâneos Nas Minas De Qualquer Categoria”. Tal documento proibia, expressamente, o emprego de pessoas do sexo feminino de qualquer idade nos trabalhos subterrâneos de minas, salvo exceções em que as mulheres não exerciam a atividade-fim dos trabalhos no subsolo.
Havia também o Decreto nº 21.417-A do ano de 1932 que continha a seguinte previsão:
Art. 5º. É proibido o trabalho da mulher:
a) nos subterrâneos, nas minerações, em subsolo, nas pedreira, e obras de construção pública ou particular;
b) nos serviços perigosos e insalubres, constantes do quadro anexo.
Como se não bastasse, a disposição acima ainda foi inserida na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), no art. 387, o qual veio a ser revogado apenas no ano de 1989 pela Lei nº 7.855, inserindo, em contraprestação, dispositivos de incentivo e aperfeiçoamento do trabalho feminino (art. 390-B, 390-C e 390-E da CLT).
Com o olhar voltado para os paradigmas sociais do Brasil de 1930, compreende-se que tais vedações possuíam o intuito de segregar a mulher nos ambientes cotados para as suas funções, principalmente o ambiente doméstico. Nesta década, a população lutava pela conquista de voz ativa na sociedade, sendo as décadas seguintes marcadas por intensas lutas feministas em prol da consolidação de seus direitos.
Nos dias atuais, o emprego em minas de subsolo possui disposições especiais em razão das peculiaridades das condições de trabalho nesses locais. Tais regras estão esculpidas na seção X da CLT, nos arts. 293 a 301.
Apesar do art. 387 ter sido revogado, ainda há previsões remanescentes com o mesmo teor normativo. Nossa análise se concentrará no art. 301 que dispõe especialmente sobre aqueles que são permitidos desempenhar funções em trabalhos subterrâneos, vejamos:
Art. 301 – O trabalho no subsolo somente será permitido a homens, com idade compreendida entre 21 (vinte e um) e 50 (cinquenta) anos, assegurada a transferência para a superfície nos termos previstos no artigo anterior.
Em interpretação deste dispositivo, compreende-se que, nos termos da CLT, o emprego das mulheres em trabalhos subterrâneos permanece proibido.
Na contramão desse retrocesso, há normas direcionadas ao estímulo da inserção das mulheres no mercado. Como ilustração, há a Lei Federal nº 14.457/22 que institui o Programa Emprega + Mulheres, destinado à inserção e a manutenção das mulheres no mercado de trabalho. Uma das medidas implementadas pela lei é o selo “Emprega + Mulher” concedido a instituições reconhecidas pela implantação de boas práticas quando o assunto é a inserção e manutenção da figura feminina no ramo.
A legislação brasileira atual possui caráter protetivo, principalmente no que se refere à proteção de colaboradores no ambiente laboral. Nesse contexto, o trabalho em minas de subsolo não ficou de fora dessa alçada, ao passo em que prevê algumas disposições especiais devido às dificuldades e condições de insalubridade enfrentadas pelos obreiros.
A origem da limitação ao acesso feminino aos trabalhos em subsolo tinha fundamento no papel pré-determinado das mulheres na sociedade. Levando em consideração a sociedade brasileira de 1930, inusitado seria o protagonismo feminino nas atividades subterrâneas.
Entretanto, a sociedade sofreu mudanças fundamentais e trouxe consigo a completa transformação da figura feminina no mercado de trabalho. Atualmente, é pregado o oposto: a mulher deve ocupar a posição que quiser ocupar, livre de qualquer preconceito e estereótipo de gênero.
A ilustrar, a Constituição Federal consagra o princípio da igualdade e liberdade profissional ao determinar:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; […]
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Infelizmente, o setor minerário não acompanhou essa evolução social, tendo em vista que a área ainda é majoritariamente dominada por homens em cargos de chefia e liderança.
Sob a ótica da proteção do operário, as mulheres encontram maiores barreiras, seja pelo histórico e mitos que ainda rondam o trabalho em subsolo (hierarquizado, violento, propenso a assédios, perigoso, etc.), seja pela estrutura marcada pela ausência de banheiros e vestiários.
Fato inquestionável é que não merece prosperar as previsões que vedam o acesso das mulheres ao labor em minas no subsolo. O argumento biológico que gira em torno da fragilidade da mulher em razão das condições biofisiológicas de seu corpo não mais se sustenta, tendo em vista que a periculosidade e a nocividade dessas atividades vão de encontro às normas do escopo de Saúde e Segurança Ocupacional que ofertam grau máximo de proteção aos trabalhadores.
Além disso, essa segregação profissional colide frontalmente com a Política de Igualdade de Gênero amplamente debatida no setor corporativo.
Após essa discussão, não restam dúvidas de que os paradigmas sociais do Brasil contemporâneo são distintos e não possuem relação com a discriminação profissional vivida pelas mulheres. Apesar do avanço conquistado pela população feminina no mercado de trabalho, a luta não se mostrou efetiva para acabar com a desigualdade de gênero no setor minerário.
A divisão sexual no mundo corporativo permanece vigente, contudo, agora com uma nova face: a discriminação normativa. O setor minerário foi historicamente desenvolvido para ser ocupado pela figura masculina. Em contraste, as normativas protetivas foram desenvolvidas para alcance da igualdade no tratamento de homens e mulheres no setor, de modo que não haja mais espaço para segregação e preconceito.
Apesar de inúmeras normas terem sido derrubadas, ainda há dispositivos nas entrelinhas da legislação brasileira que trazem consigo o mesmo teor discriminatório que caminha em sentido contrário ao da igualdade de gênero no ambiente de trabalho.
Diante da existência de expressa previsão normativa que afasta a parcela feminina do trabalho em subsolo, nos resta analisar sistematicamente a legislação brasileira, à luz da Constituição Federal de 1988. Assim, conforme conclui a autora Mara Queiroga Camisassa em seu livro “Segurança e Saúde no Trabalho – NRs 1 a 38 Comentadas e Descomplicadas”, “o trabalho em subsolo passou a ser permitido a mulheres, desde que maiores de 21 anos e menores de 50 anos, uma vez que nossa Carta Magna igualou homens e mulheres em direitos e obrigações, restando, portanto, superado o art. 301 da CLT”.1
1: CAMISASSA, Mara Queiroga. Segurança e Saúde no Trabalho: nrs 1 a 38 comentadas e descomplicadas. 9. ed. Rio de Janeiro: Método, 2024. 928 p.
Texto por Ítalo Moreira em parceria com Thaisa Fonseca e Nayara Mileti, do Dúvida Legal Ius.
Feito por Juliana Caldeira e Manuelle Meira – Colaboradoras da Ius No artigo de hoje…
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