Categorias: Meio Ambiente

Para o Dia da Árvore: sobre queimadas e preservação

Por Laura Martins, colaboradora Ius Natura

Ao pensar “setembro”, Guimarães Rosa provavelmente pensava “ipês”. Ipês e o vermelho do cerrado, dos Gerais. Mas há outra imagem icônica para este que é o último mês da estação seca: a do fogo se alastrando sem controle, devorando matas e plantações. Isso porque setembro é também o mês das queimadas.

Seja por uma questão cultural (a queima da braquiara), pela persistência de práticas arcaicas de manejo agrícola (caso da queima em canaviais), pela errônea crença de depreciação do valor de imóveis rurais em função de suas matas nativas, ou para evitar esforço e custos com a correta destinação de resíduos, o fato é que o uso do fogo é expressamente proibido pelo Código Florestal, que elenca as exceções em seu no artigo 38[1].

Além do prejuízo óbvio para a biodiversidade, as queimadas provocam transtornos que podem ser verificados já no curto prazo – as partículas em suspensão e o calor afetam a saúde humana, tendo em vista que

(…) nas queimadas são emitidos vários poluentes clássicos, entre eles NOx, CO, HC e material particulado, além de substâncias altamente tóxicas. O efeito agudo à saúde da população em geral fica restrito àquelas pessoas mais próximas à área da queimada, em especial as que estejam atuando no seu combate. O efeito pode ir de intoxicação até a morte por asfixia, pela redução da concentração de oxigênio em níveis críticos e pela elevação no nível de monóxido de carbono, que compete com o oxigênio na sua ligação com a hemoglobina. [1]

Segundo reportagem publicada pelo Portal Brasil, é comum, nessa época do ano, que os hospitais recebam grande número de emergências hospitalares de pessoas com problemas respiratórios causados pela fumaça. Além disso, há o transtorno causado pela perda de visibilidade aérea, o que coloca em risco a vida de profissionais da aviação e passageiros. Em 2010, o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE) publicou Boletim Técnico com o tema “Efeitos da fumaça das queimadas nos aeroportos brasileiros”, em que aponta a gravidade do efeito de perda de visibilidade provocada por partículas em suspensão, comparando-o ao efeito de nevoeiros. Há casos, ilustram os autores do artigo, em que não é possível pousar a aeronave.

Os biomas mais afetados pelas queimadas são o Cerrado e a Amazônia. No caso desta última, a situação é agravada pelo fato de o El Niño[1] 2015/2016 ser o pior em 18 anos. Em julho, cientistas da NASA alertaram, em publicação no portal Observatório da Terra: a Amazônia está pronta para queimar. O risco de incêndios florestais na Amazônia durante a estação seca (julho a outubro) aumentou terrivelmente graças à intensidade do El Niño deste ano:

A discussão da “mudança climática” deixou exclusivamente de pertencer a debates acadêmicos e a demandas de ambientalistas, tornando-se pauta urgente e necessária, tanto que China e EUA aproveitaram a reunião do G20 ocorrida em Hanghzou no início deste mês (4 a 5 de setembro), para ratificar o Acordo de Paris sobre o clima.

Se a Amazônia guarda as chaves do futuro e se o Cerrado é nosso reservatório do ouro azul, o mínimo a se fazer é cuidar desses biomas, cumprindo a legislação de forma a abolir queimadas em seus domínios. As árvores, a presente e as futuras gerações agradecem.

[1] El Niño – fenômeno climático de interação atmosfera-oceano, associado a alterações dos padrões normais da Temperatura da Superfície do Mar (TSM) e dos ventos alísios na região do Pacífico Equatorial. Para que o aquecimento das águas do Pacífico Equatorial seja considerado um El Niño é preciso que a temperatura da água permanece pelo menos 0,5°C acima da temperatura média normal e por pelo menos três trimestres consecutivos. O mais intenso já registrado desde 1950 foi o El Niño de 1997/1998, quando a anomalia trimestral móvel foi maior ou igual a 2,0°C no período de agosto de 1997 a fevereiro de 1998.  (http://www.climatempo.com.br/noticia/2016/01/11/o-que-e-o-el-nino–4068)

[1] RIBEIRO, Helena; ASSUNCAO, João Vicente de. Efeitos das queimadas na saúde humana. Estud. av.,  São Paulo ,  v. 16, n. 44, p. 125-148,  Apr.  2002 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142002000100008&lng=en&nrm=iso>. access on  21  Sept.  2016.  http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142002000100008.

[1] Art. 38.  É proibido o uso de fogo na vegetação, exceto nas seguintes situações:

I – em locais ou regiões cujas peculiaridades justifiquem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, mediante prévia aprovação do órgão estadual ambiental competente do Sisnama, para cada imóvel rural ou de forma regionalizada, que estabelecerá os critérios de monitoramento e controle;

II – emprego da queima controlada em Unidades de Conservação, em conformidade com o respectivo plano de manejo e mediante prévia aprovação do órgão gestor da Unidade de Conservação, visando ao manejo conservacionista da vegetação nativa, cujas características ecológicas estejam associadas evolutivamente à ocorrência do fogo;

III – atividades de pesquisa científica vinculada a projeto de pesquisa devidamente aprovado pelos órgãos competentes e realizada por instituição de pesquisa reconhecida, mediante prévia aprovação do órgão ambiental competente do Sisnama.

Ius Natura

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