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Pecuária sustentável: SSO na Indústria de Abate e Processamento de Carnes e Derivados

Por Renata Cassimiro Libânio, advogada e gerente de Contratos Corporativos na Ius Natura

Sabemos que a Sustentabilidade se alicerça em um tripé composto dos aspectos ambientais, econômicos e sociais de uma atividade. Os aspectos sociais envolvem, dentre outros fatores, o cumprimento das obrigações trabalhistas, incluindo as relativas à garantia de um ambiente de trabalho seguro e saudável sob o ponto de vista ocupacional. Com base nestas premissas, surge o conceito de Pecuária Sustentável, a qual se baseia em práticas que propiciem que esta atividade seja exercida de forma a respeitar e fomentar práticas socialmente justas, ambientalmente corretas e economicamente viáveis.

Se aplicarmos esse conceito a todo o ciclo de vida do produto, a etapa de processamento da carne e derivados também deverá ser considerada para que se promova a sustentabilidade no setor de proteína animal. Nesse contexto, foi publicada em 18/04/2013 a Portaria MTE nº 555/13, que aprova Norma Regulamentadora 36, a qual dispõe sobre a Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados.

A NR-36 é apelidada como a norma dos frigoríficos, mas é importante ressaltar que ela se aplica a todos os estabelecimentos que trabalhem com abate e manipulação de carnes de bovinos, suínos, aves, pescados e outras espécies animais e derivados, destinados ao consumo humano, que sejam classificados como matadouros-frigoríficos, matadouros, charqueadas, fábricas de conservas, fábricas de produtos suínos, fábricas de produtos gordurosos, entrepostos de carnes e derivados, fábricas de produtos não comestíveis, matadouro de aves e coelhos e entreposto-frigorífico. Também vale lembrar que o atendimento à NR-36 não supre a necessidade da observância do disposto nas demais NR expedidas pelo Ministério do Trabalho, e que todos os prazos de adequação às disposições da NR-36 já foram atingidos, de modo que a observância de seus ditames já é integralmente compulsória.

Esta norma veio regulamentar as condições de trabalho em um ramo conhecido por seus altos índices de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais; os trabalhadores do setor usualmente ficam expostos a diversos riscos à saúde, como frio, tarefas monótonas, movimentos repetitivos, manipulação de ferramentas cortantes, pressão psicológica por produtividade, entre outros fatores que, somados, tornam o trabalho extremamente penoso. De acordo com dados do Ministério da Previdência Social, ocorreram 19.453 acidentes de trabalho em frigoríficos no ano de 2011, 2,73% de todos os acidentes; foram registrados neste mesmo ano 32 óbitos no setor. Os acidentes se devem em grande parte ao desenvolvimento de doenças conhecidas como LER/DORT, mas também há muitos casos de acidentes típicos de trabalho, como mutilações de partes do corpo. Os transtornos de humor, como a depressão, também têm alta incidência neste setor.

O QUE PREVÊ A NR-36

A NR-36 é dividida em partes, tratando de assuntos diversos, os quais serão a seguir comentados, de forma a contemplar uma noção geral dos conteúdos sobre os quais ela versa:

1) Mobiliário e postos de trabalho:

A NR 36 determina que, sempre que o trabalho puder ser executado alternando a posição de pé com a posição sentada, o posto de trabalho deve ser planejado ou adaptado para favorecer a alternância das posições; para tanto, devem ser fornecidos assentos ajustáveis para os postos de trabalho estacionários, assegurando, no mínimo, um assento para cada três trabalhadores. Os assentos devem ser construídos com material que priorize o conforto térmico, obedecidas as características higiênico-sanitárias legais. Este é um ponto que gera muita dúvida na aplicação desta NR, pois os profissionais do setor relatam dificuldades na seleção de assentos que sejam ao mesmo tempo aceitos pela ANVISA e que não comprometam o conforto térmico.

Deve ser fornecido apoio para os pés que se adapte ao comprimento das pernas do trabalhador, nos casos em que os pés do operador não alcançarem o piso, mesmo após a regulagem do assento.

As bancadas, esteiras, nórias, mesas ou máquinas devem proporcionar condições de boa postura, visualização e operação. As dimensões dos espaços de trabalho devem ser suficientes para que o trabalhador possa movimentar os segmentos corporais livremente, de forma segura, de maneira a facilitar o trabalho, reduzir o esforço do trabalhador e não exigir a adoção de posturas extremas ou nocivas. A preocupação com a adequação do mobiliário se justifica pelos altos índices de diagnósticos de LER/DORT em trabalhadores que laboram neste ramo.

Nos trabalhos realizados exclusivamente em pé, também devem ser atendidos requisitos mínimos de ergonomia, que favoreçam a adoção de posturas adequadas.

Os postos de trabalho devem possuir pisos com características antiderrapantes, sistema de escoamento de água e resíduos; áreas de trabalho e de circulação dimensionadas de forma a permitir a movimentação segura de materiais e pessoas; proteção contra intempéries quando as atividades ocorrerem em área externa; limpeza e higienização constantes.

As câmaras frias devem possuir dispositivo que possibilite abertura das portas pelo interior sem muito esforço, e alarme ou outro sistema de comunicação, que possa ser acionado pelo interior, em caso de emergência; aquelas cuja temperatura for igual ou inferior a -18º C devem possuir indicação do tempo máximo de permanência no local.

2) Estrados, passarelas e plataformas:

As plataformas, escadas fixas e passarelas devem atender ao disposto na NR-12, e também aos requisitos de ergonomia. A altura, posicionamento e dimensões das plataformas devem ser adequadas às características da atividade. É vedado improvisar a adequação da altura do posto de trabalho ao trabalhador com materiais não destinados para este fim.

3) Manuseio de produtos:

O manuseio de animais ou produtos não deve propiciar o uso de força muscular excessiva por parte dos trabalhadores, extensões e/ou elevações excessivas dos braços e ombros, e a adoção excessiva e continuada de torção e inclinações do tronco.

Os elementos a serem manipulados, tais como caixas, bandejas, engradados, devem proporcionar pega segura e confortável; estar livres de quinas ou arestas que possam provocar irritações ou ferimentos; ter dimensões e formato que não provoquem o aumento do esforço físico do trabalhador; ser estáveis.

Os sistemas utilizados no transporte de produtos a serem espostejados em linha, trilhagem aérea mecanizada e esteiras, devem ter características e dimensões que evitem a adoção de posturas excessivas e continuadas dos membros superiores e da nuca.

Não devem ser efetuadas atividades que exijam manuseio ou carregamento manual de peças, volumosas ou pesadas, que possam comprometer a segurança e a saúde do trabalhador. Caso a peça não seja de fácil manuseio, devem ser utilizados meios técnicos que facilitem o transporte da carga. Sendo inviável tecnicamente a mecanização do transporte, devem ser adotadas medidas, tais como redução da freqüência e do manuseio dessas cargas.

Devem ser implementadas medidas de controle que evitem que os trabalhadores, ao realizar suas atividades, sejam obrigados a efetuar de forma contínua e repetitiva: a) movimentos bruscos de impacto dos membros superiores; b) uso excessivo de força muscular; c) frequência de movimentos dos membros superiores que possam comprometer a segurança e saúde do trabalhador; d) exposição prolongada a vibrações; e) imersão ou contato permanente das mãos com água.

Nas atividades de processamento de animais, principalmente os de grande e médio porte, devem ser adotados: a) sistemas de transporte e ajudas mecânicas na sustentação de cargas, partes de animais e ferramentas pesadas; b) medidas organizacionais e administrativas para redução da frequência e do tempo total nas atividades de manuseio, quando a mecanização for tecnicamente inviável; c) medidas técnicas para prevenir que a movimentação do animal durante a realização da tarefa possa ocasionar riscos de acidentes, tais como corte, tombamento e prensagem do trabalhador.

4) Levantamento e transporte de produtos e cargas

O empregador deve adotar medidas técnicas e organizacionais apropriadas e fornecer os meios adequados para reduzir a necessidade de carregamento manual constante de produtos e cargas cujo peso possa comprometer a segurança e saúde dos trabalhadores; o esforço físico realizado pelo trabalhador deve ser compatível com sua segurança, saúde e capacidade de força. Devem ser adotados meios técnicos, administrativos e organizacionais, a fim de evitar esforços contínuos e prolongados do trabalhador, para impulsão e tração de cargas.

5) Recepção e descarga de animais:

As atividades de descarga e recepção de animais devem ser devidamente organizadas e planejadas, com adoção de procedimentos específicos e regras de segurança na recepção e descarga de animais para os trabalhadores e terceiros, incluindo os motoristas e ajudantes. Para a atividade de descarga de animais de grande porte, é proibido o trabalho isolado.

O box de atordoamento de animais – acesso ao local e ao animal, e as posições e uso dos comandos, devem permitir a execução segura da atividade para qualquer tipo, tamanho e forma de abate do animal.

6) Máquinas, equipamentos e ferramentas:

As máquinas e equipamentos utilizados nas empresas de abate e processamento de carnes e derivados devem atender ao disposto nas NR-10 e NR-12. Os sistemas de trilhagem aérea, esteiras transportadoras, roscas sem fim ou nórias devem estar equipados com um ou mais dispositivos de parada de emergência, que permitam a interrupção do seu funcionamento por segmentos curtos, a partir de qualquer um dos operadores em seus postos de trabalho.

Os equipamentos e ferramentas disponibilizados devem ter sistema de manutenção constante, e favorecer a adoção de posturas e movimentos adequados, facilidade de uso e conforto, de maneira a não obrigar o trabalhador ao uso excessivo de força, pressão, preensão, flexão, extensão ou torção dos segm­­entos corporais.

7) Condições ambientais de trabalho

7.1) Ruído

Para controlar a exposição ao ruído ambiental devem ser adotadas medidas que priorizem a sua eliminação, a redução da sua emissão e a redução da exposição dos trabalhadores, nesta ordem. As recomendações para adequações e melhorias nos níveis de ruído devem ser expressas em programas claros e objetivos, com definição de datas de implantação.

7.2) Qualidade do ar nos ambientes artificialmente climatizados

As empresas devem efetuar o controle do ar nos ambientes artificialmente climatizados a fim de manter a boa qualidade do ar interno e garantir a prevenção de riscos à saúde dos trabalhadores; os controles devem abranger limpeza dos componentes do sistema de climatização, verificação periódica das condições físicas dos filtros, e adequada renovação do ar no interior dos ambientes climatizados.

7.3) Agentes químicos

A empresa deve adotar medidas de prevenção coletivas e individuais quando da utilização de produtos químicos. Uma particularidade da NR-36 é que ela estabelece medidas de proteção coletivas específicas para uso de amônia, comumente presente em sistemas de refrigeração industrial de frigoríficos. A amônia é uma substância de alta toxicidade e pode tornar-se explosiva em concentrações específicas, mas por ser um agente refrigerante natural ecologicamente correto, barato e eficiente, tem sido muito adotada, apesar dos riscos associados. Por ter um potencial de gerar acidentes graves, inclusive envolvendo óbito, faz-se necessário enfatizar a importância da adoção dos controles necessários ao uso seguro desta substância no ambiente de trabalho. O Plano de Resposta a Emergências da empresa deve contemplar ações específicas em caso de ocorrência de vazamento de amônia.

7.4) Agentes biológicos

Devido à manipulação de material biológico ser inerente ao trabalho na indústria de processamento de carne e derivados, devem ser identificadas as atividades e especificadas as tarefas suscetíveis de expor os trabalhadores a contaminação biológica. Caso seja identificada exposição a agente biológico prejudicial à saúde do trabalhador, deverá ser efetuado o controle destes riscos, através de limpeza e desinfecção, medidas de biossegurança, fornecimento de EPI, treinamento aos trabalhadores, entre outras medidas.

7.5) Conforto térmico

Outro grande problema existente na indústria de processamento de carne é a exposição dos trabalhadores a baixas e altas temperaturas e à umidade. A NR-36 determina a adoção de medidas preventivas individuais e coletivas, de caráter técnico, organizacional e administrativo, em razão da exposição em ambientes artificialmente refrigerados e ao calor excessivo, para propiciar conforto térmico aos trabalhadores. Além de fornecimento de EPI, vestimenta de trabalho adequadas e de água fresca, devem ser adotada alternância de tarefas; disponibilização de sistema para aquecimento das mãos quando as atividades manuais forem realizadas em ambientes frios ou exijam contato constante com superfícies e produtos frios;  controle da temperatura e umidade e da ventilação natural. Vale lembrar que a exposição a frio e à umidade excessivos pode configurar trabalho insalubre nos termos da NR-15.

8) Equipamentos de Proteção Individual – EPI e Vestimentas de Trabalho

A NR-36 determina a seleção de EPI de acordo com a NR-06, mas reforça a necessidade de avaliar o conforto e a compatibilidade entre tais equipamentos. É exigido o fornecimento de vestimentas de trabalho adequadas aos riscos e às condições ambientais dos locais de trabalho, as quais devem ser trocadas diariamente, sendo sua higienização responsabilidade do empregador.

9) Gerenciamento dos riscos

A NR-36 enfatiza a necessidade do empregador colocar em prática uma abordagem planejada, estruturada e global da prevenção, por meio do gerenciamento dos fatores de risco em Segurança e Saúde no Trabalho, utilizando-se de todos os meios técnicos, organizacionais e administrativos para assegurar o bem estar dos trabalhadores e garantir que os ambientes e condições de trabalho sejam seguros e saudáveis.

10) Programas de Prevenção dos Riscos Ambientais e de Controle Médico de Saúde Ocupacional

A NR-36 determina que o PPRA e o PCMSO devem estar articulados entre si e com as demais normas, em particular com a NR-17, tamanha a importância da adequada tratativa dos fatores ergonômicos para o bem-estar e a saúde dos trabalhadores da Indústria de Abate e Processamento de Carnes e Derivados. A imposição de ritmo de trabalho e de um sistema de avaliação de desempenho devem levar em conta as repercussões sobre a saúde do trabalhador.

11) Organização temporal do trabalho

Este item da NR-36 exige a adoção de pausas para os trabalhadores que exercem suas atividades em ambientes artificialmente frios e para os que movimentam mercadorias do ambiente quente ou normal para o frio e vice-versa, assim como para os trabalhadores que desenvolvem atividades exercidas diretamente no processo produtivo, ou seja, desde a recepção até a expedição, onde são exigidas repetitividade e/ou sobrecarga muscular estática ou dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e inferiores. Tais pausas visam a propiciar a recuperação psicofisiológica dos trabalhadores e podem variar de 20 até 60 minutos, devendo ser computadas como trabalho efetivo. As saídas dos postos de trabalho para satisfação das necessidades fisiológicas dos trabalhadores devem ser asseguradas a qualquer tempo, independentemente da fruição das pausas.

Vale lembrar que o artigo 253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também determina a realização de intervalos de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho para amenizar os efeitos do frio. São as chamadas “pausas para recuperação térmica”.

12) Organização das atividades

Devem ser adotadas medidas técnicas de engenharia, organizacionais e administrativas com o objetivo de eliminar ou reduzir os fatores de risco, especialmente a repetição de movimentos dos membros superiores; o empregador deve elaborar um cronograma com prazos para implementação de medidas que visem promover melhorias. A empresa deve possuir contingente de trabalhadores em atividade, compatível com as demandas e exigências de produção, e implementar rodízio de atividades dentro da jornada diária de trabalho.

13) Análise Ergonômica do Trabalho

As análises ergonômicas do trabalho devem ser realizadas para avaliar a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores e subsidiar a implementação das medidas e adequações necessárias conforme previsto na NR-17.

14) Informações e Treinamentos em Segurança e Saúde no Trabalho

Todos os trabalhadores, inclusive superiores hierárquicos e terceiros, devem receber treinamentos e informações sobre os riscos relacionados ao trabalho, suas causas potenciais, efeitos sobre a saúde e medidas de prevenção.

15) Anexos

O Anexo I traz o glossário dos termos utilizados no texto da NR-36, enquanto o Anexo II trata dos requisitos de segurança específicos para máquinas utilizadas nas indústrias de abate e processamento de carnes e derivados destinados ao consumo humano.

CONCLUSÃO

Três anos já se passaram desde a publicação da NR-36, e apesar de todos os seus ditames já serem obrigatórios, e de muitas empresas que integram o setor terem empreendido esforços no sentido de adequar os ambientes e o ritmo de trabalho ao previsto na legislação, ainda há uma grande distância entre o que deve ser feito e o que se vê na prática. Os profissionais da área destacam muitas dificuldades na implantação da mesma, tais como:

  • Altos custos e investimentos referente às adequações dos equipamentos e postos de trabalho;
  • Subjetividade na interpretação dos ditames legais;
  • Baixa qualificação das equipes;
  • Falta de conscientização das pessoas envolvidas;
  • Despreparo de fornecedores e fabricantes de equipamentos;
  • Falta de tecnologia adequada;
  • Cultura do setor, que prioriza a produção, em detrimento da segurança e saúde do trabalhador.

De todo modo, apesar das críticas que podem ser feitas ao texto da NR-36, e das dificuldades existentes na sua implementação, certo é que a referida NR supriu a lacuna da falta de regulamentação da atividade de abate e processamento de carnes e derivados em termos de Saúde e Segurança Ocupacional. Sem dúvida, já é um grande mérito. A NR demonstra que é possível melhorar a realidade do trabalho em frigoríficos, com mudanças simples como redução do ritmo de trabalho, adoção de maiores pausas ao longo do expediente, rodízio de tarefas e introdução de inovações tecnológicas. Os argumentos de que tais práticas encarecem o processo produtivo e diminuem as margens de lucro não se justificam quando se verificam os graves problemas gerados aos trabalhadores, além do grande impacto social e econômico acarretado pelos acidentes do trabalho envolvendo o setor, que oneram o INSS, e consequentemente, a sociedade como um todo.

Com base no atual texto legal, instituições como Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, e organizações não governamentais podem atuar de forma conjunta com os empregadores visando analisar as adversidades deste meio ambiente de trabalho e buscar soluções, para minimizar o impacto gerado na saúde do trabalhador.

 

Ius Natura

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