No trabalho de consultoria jurídica que realizamos, somos muito questionados sobre a obrigatoriedade de atendimento a normas técnicas, uma vez que estas não são consideradas normas legais.
Tratam-se de normas elaboradas por órgãos técnicos, na maioria das vezes privados, que instituem padrões nacionais ou internacionais para produtos, processos, atividades e serviços, de forma a assegurar qualidade, segurança e/ou eficiência dos mesmos.
Existem normas técnicas que instituem requisitos para emissão e execução de projetos; fabricação, inspeção e ensaios de produtos; análises e amostragens diversas; sinalização de segurança; armazenamento e compatibilidade de produtos e resíduos; emissão de documentos; entre inúmeros outros temas.
O atendimento a normas técnicas é um assunto amplo, controverso e merece atenção; porém, a questão central que se pretende abordar neste artigo é se este atendimento é compulsório ou se trata apenas de boa prática.
Primeiramente, cabe esclarecer a distinção sobre o que vem a ser uma norma técnica e uma norma jurídica.
Norma técnica é o documento estabelecido por consenso e aprovado por um organismo reconhecido pela autoridade competente, que fornece regras, diretrizes ou características mínimas para atividades ou seus resultados, visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado contexto.
No Brasil, o principal órgão expedidor de normas técnicas é a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, uma associação civil sem fins lucrativos, reconhecida pelo governo brasileiro como responsável pela elaboração, aprovação e divulgação das Normas Brasileiras, conhecidas também como NBR`s, através de um amplo processo de análise, pesquisa e qualificação.
Porém, há normas técnicas que são emitidas por entidades diversas, no âmbito de sua competência, tais como FUNDACENTRO, CETESB, entre outras, assim como organismos internacionais, como ISO, IEC, ASTM, OIT.
As normas jurídicas, por sua vez, são regras elaboradas pelo Estado, em sua maioria pelos Poderes Executivo e Legislativo, sendo obrigatórias a todos aqueles que se enquadram nos ditames da mesma, podendo o seu descumprimento gerar uma sanção imposta pelo Estado.
Têm como objetivo, dentre outros, regular condutas humanas, e devem seguir o devido processo legislativo para sua promulgação, conforme estabelece a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988.
Do ponto de vista jurídico, as normas técnicas não são normas legais, e deste modo, não possuem poder vinculante, cabendo a deliberação sobre sua aplicação técnica aos profissionais habilitados nas diversas áreas de atuação.
Assim, a princípio, não há que se falar em obrigatoriedade de seu atendimento e uso, sendo os mesmos voluntários, via de regra. Já a norma jurídica vincula a toda a coletividade.
Entretanto, é indispensável uma reflexão a respeito do assunto: percebemos que é cada vez mais comum a referência a normas técnicas em dispositivos legais.
Podemos citar, como exemplo, o Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei Federal 8.078/90), que no artigo 39, VIII, estabelece ser vedado ao fornecedor de produtos e serviços colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela ABNT, ou outra Entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO. Desta forma, por força do CDC, se não há norma legal que regulamente a fabricação de um produto ou a execução de um serviço, e considerando que a ABNT é reconhecida pelo CONMETRO como o único foro nacional de normalização no Brasil, as normas publicadas por esta associação passam a ser de adoção obrigatória em relação a tais produtos e serviços, quando comercializados em nosso país.
Há também casos em que o atendimento a uma norma técnica específica é exigido de forma explícita por legislação, como é o caso do item II da Resolução CONAMA 01/90, norma que dispõe sobre a poluição sonora, conforme segue:
“I – A emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política, obedecerá, no interesse da saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução.
II – São prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do item anterior aos ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.151 – Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.”
Por força desta citação, os limites estabelecidos pela NBR 10151 para emissão de ruído ambiental passam a ser de observância compulsória pela coletividade.
Há ainda normas que preveem necessidade de atendimento a normas técnicas sem especificar quais são elas, como é o caso da NR 20, em seu item 20.5.1, que estabelece que as instalações para extração, produção, armazenamento, transferência, manuseio e manipulação de inflamáveis e líquidos combustíveis devem ser projetadas considerando os aspectos de segurança, saúde e meio ambiente que impactem sobre a integridade física dos trabalhadores previstos nas Normas Regulamentadoras, normas técnicas nacionais e, na ausência ou omissão destas, nas normas internacionais, convenções e acordos coletivos, bem como nas demais regulamentações pertinentes em vigor.
Nestas situações, o corpo técnico da empresa deve pesquisar quais normas técnicas serão aplicáveis ao caso concreto, sejam elas nacionais ou internacionais, determinar quais serão utilizadas como referência, e providenciar seu atendimento.
Com base no exposto, podemos afirmar que, salvo exceções, normas técnicas citadas em norma legal passam a ter “força de lei” também.
O legislador, nessa hipótese, optou por não repetir o conteúdo das normas técnicas no texto legal, mas apenas por referenciá-las como o padrão a ser observado no caso concreto. Essa prática não se dá por acaso; visa a permitir que a norma técnica, instrumental que é, possa evoluir sem que haja necessidade de observar, para tanto, o devido processo legislativo por que passa uma norma jurídica.
O não atendimento a uma norma técnica, por consequência, poderá ensejar autuações pelos órgãos fiscalizadores. Ressalva deve ser feita para os casos em que a norma técnica é citada no texto legal apenas como referência bibliográfica, não gerando obrigações à coletividade.
Vale ressaltar ainda que, se o dispositivo legal indicar necessidade de atendimento a norma técnica em um contexto que se aplica à realidade do empreendimento, o acesso ao seu texto deverá ser providenciado pela organização, a fim de possibilitar a verificação da conformidade das práticas da empresa em relação ao que é exigido por seu conteúdo.
Há normas técnicas que precisarão ser adquiridas, em função dos direitos autorais envolvidos, conforme art. 7º, XIII, da Lei Federal 9.610/98, apesar do assunto ser controverso e de estar sendo discutido judicialmente, em função do que prevê o art. 8, incisos I e IV da referida lei; há ainda casos em que as normas técnicas são disponibilizadas gratuitamente, por terem caráter público.
De todo modo, a empresa deverá analisar se as normas técnicas citadas por legislação aplicável geram ou não obrigações para o seu empreendimento, disponibilizar os textos das que forem consideradas como de atendimento obrigatório, providenciar sua implementação, e estabelecer sistemática para verificação de seu atendimento.
Cumpre lembrar, ainda, que as normas certificáveis de Sistema de Gestão, como por exemplo a ISO 14001:2015 e OHSAS 18001:2007, também exigem o atendimento a outros requisitos, entendidos estes como obrigações formalmente estabelecidas, assumidas pela empresa voluntariamente, ou que sejam decorrentes de acordos com órgãos públicos e outras partes interessadas, ou ainda da menção de normas técnicas em legislação classificada como aplicável com requisitos.
Outros requisitos que não sejam os requisitos legais passam a ser obrigatórios quando a organização decide cumpri-los. Desta forma, o não atendimento a normas técnicas consideradas como outros requisitos também poderá ensejar o registro de não conformidade no contexto do Sistema de gestão da empresa.
*Por Fernanda Manna Oliver e Renata Libânio – Colaboradoras Ius Natura
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