Por Paula Barros – Gerente de contratos Ius Natura
A ampliação e sofisticação das demandas dos consumidores e o aumento exponencial do comércio internacional de alimentos são fatores determinantes para que a preocupação com o fornecimento de produtos seguros e de qualidade seja crescente em toda a cadeia da indústria alimentícia. O amplo mercado externo e o potencial agropecuário do Brasil tornam essa busca mais urgente para o segmento de produtos de origem animal. Segundo matéria veiculada pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), a FAO espera que o Brasil aumente sua produção agropecuária em 40% até 2019. Somente nos últimos 20 anos, a produção de carne de aves cresceu 285%, e a bovina, 77%.
Conforme nos ensina cartilha publicada pelo Programa de Proteção Jurídico-Sanitária dos Consumidores de Produtos de Origem Animal (POA), os alimentos mais vulneráveis à contaminação são aqueles ricos em nutrientes, com alto teor de umidade e baixa acidez, dentre os quais estão a carne e seus derivados, ovos, peixes, mariscos, moluscos, leite e produtos lácteos. Ou seja: o atendimento a requisitos que garantam a segurança dos produtos de origem animal é essencial para que um produtor deste segmento se torne competitivo, passando confiabilidade para seus consumidores, sejam eles internos ou externos. Segurança aqui entendida como segurança de alimento, que é um “conceito que indica que o alimento não causará dano ao consumidor quando preparado e/ou consumido de acordo com seu uso pretendido” (pág 2 da ABNT NBR ISO 22.000:2006).
Este conceito, que é o fundamento de um sistema de gestão de segurança de alimentos, nos fornece as bases do principal objetivo das certificações existentes no setor, sejam elas públicas ou privadas, compulsórias ou voluntárias: a garantia de um alimento seguro e de qualidade. A certificação nada mais é do que a avaliação de um determinado processo, sistema ou produto segundo normas e critérios que visa oferecer o cumprimento dos requisitos, conferindo ao final um certificado com o direito de uso de uma marca de conformidade associada ao produto ou imagem institucional se os requisitos estiverem plenamente atendidos (SORNBERGER; REDIVO, REGINA; REDIVO, ARLETE, 2009). No caso das indústrias alimentícias, existem diversas opções de certificação, dependendo do que se quer certificar ou atestar. Listamos abaixo algumas das principais certificações adotadas pela cadeia agroindustrial brasileira:
Sistema | Tipo/Categoria | Finalidade | Regulamentador | Padrões de Referência | Certificador |
SIF | Oficial/Compulsória | Atendimento à legislação | MAPA | Regulamentos técnicos (legais) | Agentes do DIPOA |
SISBOV | Oficial/Compulsória | Atendimento à legislação | MAPA | Regulamentos técnicos (legais) | Empresas Credenciadas (3a parte) |
Nelore Natural | Privado/Coletivo | Diferenciação e Reconhecimento no mercado nacional | ACNB | Estabelecidos ou definidos pelo regulamentador | O regulamentador (2a parte) |
Garantia de Origem Carrefour | Privado/Interna | Qualificação de fornecedores | Empresa (Carrefour) | Estabelecidos ou definidos pelo regulamentador | Normalmente o regulamentador (2a parte) e OCC ́s |
EUREPGAP | Privado/Coletiva | Qualificação de fornecedores | Associação de Supermercados | Estabelecidos ou definidos pelo regulamentador | O regulamentador ou OCC ́s (3a parte) |
Certificação Orgânicos | Privado/Coletiva/
Interna |
Diferenciação e reconhecimento no mercado nacional e internacional | Empresas ou Associações | Estabelecidos ou definidos pelo regulamentador | O regulamentador ou OCC’s (3a parte) |
Fonte: Ribeiro (2008)
Relação descritiva dos sistemas de certificação importantes na atividade pecuária brasileira
Conforme destacado no quadro-resumo, no caso das certificações oficiais, os padrões de referência para obtenção dos selos de qualidade são os regulamentos técnicos setoriais.
A Inspeção de Produtos de Origem Animal no âmbito do Ministério da Agricultura é da competência do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA. As ações de Inspeção são desenvolvidas em todo o Brasil com respaldo na legislação que regula as atividades a ela relacionadas e cabe ao DIPOA a coordenação, em nível nacional, da aplicação das leis, normas regulamentadas e critérios para a garantia da qualidade e a da segurança dos produtos de origem animal. O Serviço de Inspeção Federal, conhecido mundialmente pela sigla S.I.F. e vinculado ao Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA, é o responsável por assegurar a qualidade de produtos de origem animal comestíveis e não comestíveis destinados ao mercado interno e externo, bem como de produtos importados. Atualmente, o S.I.F. tem atuação em mais de 4 mil estabelecimentos brasileiros, sendo 3.244 que recebem o selo do S.I.F e 1.705 estabelecimentos relacionados, todos sob a supervisão do DIPOA.
(MAPA, 2016).
A regulamentação do setor tem como espinha dorsal o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal – RIISPOA, aprovado pelo Decreto Federal 30.691/52. O regulamento estabelece as normas que regulam, em todo o território nacional, a inspeção e a fiscalização industrial e sanitária de produtos de origem animal, destinadas a preservar a inocuidade, a identidade, a qualidade e a integridade dos produtos e a saúde e os interesses do consumidor, executadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento nos estabelecimentos registrados ou relacionados no Serviço de Inspeção Federal.
Além de requisitos relacionados às condições higiênico-sanitárias dos estabelecimentos, também contemplados na Portaria MAPA 368/97, o RIISPOA traz, dentre outras obrigações, requisitos relacionados ao exame “ante e post-mortem” dos animais de açougue; a embalagem e rotulagem de produtos e os exames tecnológicos, microbiológicos, histológicos e químicos das matérias primas e produtos.
O produtor deve se atentar também para outras regulamentações, em sua grande maioria publicadas pelo MAPA, que se relacionam com a segurança do seu produto.
Para o setor de cárneos, por exemplo, o MAPA regulamenta as boas práticas, o abate humanitário, a utilização de aditivos, a alimentação animal, a comercialização, a distribuição de carnes ao comércio varejista, a exportação, os métodos analíticos, os padrões microbiológicos, as embalagens, a rastreabilidade na cadeia produtiva, a rotulagem, os padrões de cortes cárneos, o controle de resíduos e a sanidade animal.
Existem ainda os Padrões de Identidade e Qualidade, que fixam a identidade e as características mínimas de qualidade que deverão obedecer os produtos cárneos.
É o exemplo da Instrução Normativa MAPA 22/00, que fixa as características dos produtos listados abaixo:
Copa |
Carne Bovina Curada Dessecada ou Jerked Beef |
Presunto Tipo Parma |
Presunto Cru |
Salame |
Salame Tipo Alemão |
Salaminho |
Salame Tipo Calabres |
Salame Tipo Friolano |
Salame Tipo Napolitano |
Salame Tipo Hamburguês |
Salame Tipo Italiano |
Salame Tipo Milano |
Lingüiça Colonial |
Pepperoni |
Os Estados e Municípios também legislam sobre a matéria e existem normas que tratam da segurança dos produtos comercializados em território sob sua jurisdição. Cite-se o exemplo da Lei 16.386, publicada em fevereiro de 2016 pelo Município de São Paulo, que dispõe sobre a identidade e as características mínimas de qualidade a que o produto cárneo, denominado Carne Moída, obedecerá quando destinado à venda, manipulado e embalado no comércio varejista de carnes.
Face aos desafios impostos ao setor pela regulamentação nacional e internacional e às demandas dos consumidores internos e externos, recentemente o Ministro da Agricultura em exercício lançou o Plano Agro Mais, visando ao aumento da competitividade do Brasil para alargar sua inserção no mercado internacional do agronegócio. O Agro+ tem três objetivos: transparência e parcerias, melhoria do processo regulatório e normas técnicas e facilitação do comércio exterior. Entre as medidas, estão o fim da reinspeção em portos e carregamentos vindos de unidades com Serviço de Inspeção Federal (SIF); o lançamento do sistema de rótulos e produtos de origem animal; a alteração da temperatura de congelamento da carne suína (-18ºC para -12ºC); a revisão de regras de certificação fitossanitárias; e o aceite de laudos digitais também em espanhol e inglês (MAPA, 2016).